Índia e China: 2 ou 3 filhos?

maio 31, 2021.

Vitor Pinto.

Escritor. Analista internacional.

Bebê envolto em toalha

Foto de Minnie Zhuo em Unsplash

Famílias chinesas podem aumentar

Na China, o pessoal da célula do partido - da esquina, da escola, da fábrica ou da empresa - terá, de ora em diante, bem menos trabalho na missão permanente de acompanhar e controlar as famílias ou as operárias sob sua supervisão. Essas unidades partidárias são a essência do poder do Partido Comunista Chinês, tornando desnecessária a interferência da polícia ou do Exército no dia a dia da sociedade. Na prática isso permite uma grande economia de recursos para o governo, pois o funcionamento dessa imensa máquina partidária não implica em pagamento de salários, substituídos pela concessão de benefícios e estímulos os mais variados.

A razão está na decisão desta semana tomada pelo politburo dirigente permitindo que os casais tenham três filhos, uma medida que na prática libera a política demográfica chinesa não mais submetendo a população aos rígidos controles impostos a partir de 1979 que obrigavam as famílias a terem um só filho. As regras (depois simplesmente repetidas para o 2º filho, permitido em 2016) foram bem descritas por Ma Jiang, um dos mais lidos autores chineses no exílio (vive em Londres). Em seu livro “Estrada Escura” (Dark Road, Penguim Ed., 2013, sem tradução ao português) conta a história de Kongzi e Meiji que têm uma menina e querem um filho homem, pois ele é descendente de Confúcio na 76ª. geração e considera seu dever sagrado dar continuidade à linhagem. Ela, aos 20 anos, engravida e esconde dos fiscais a interrupção da menstruação e os resultados dos exames pélvicos mensais obrigatórios, mas sua aldeia é alvo da brigada de controle populacional que prende e tortura as mulheres até que confessem e então as submetem ao aborto forçado, à colocação de DIU (Dispositivo Intrauterino) e a uma multa equivalente a 3 a 10 vezes os rendimentos anuais da família, saqueando e incendiando a residência em caso de não pagamento. Os dois optam pelos terríveis caminhos que levam a Guangdong (Cantão) no sul, a terra das fábricas de bugigangas vendidas aos ocidentais, e se transformam em fugitivos do planejamento familiar.

Na verdade, a mudança da política de um para dois filhos foi um rotundo fracasso na China, não dando os resultados esperados devido à sensação, amplamente confirmada pela realidade, do alto custo para criar um filho nas cidades apesar das promessas de benefícios feitas pelo governo. A taxa de fertilidade, ao invés de atingir o patamar considerado como de reposição que é de 2,1 filhos por mulher, em 2020 limitou-se a 1,3, a mesma de sociedades idosas como Itália e Japão. Agrava-se, assim, o problema central da reposição da mão de obra jovem, ao mesmo tempo em que persistem as práticas de esterilização coercitiva e de abortos apenas de meninas. Como declarou um sociólogo ao The Economic Times, os casais não estão restritos pelos limites da política populacional e sim pelos custos incrivelmente elevados da China atual, em especial de habitação, atividades extracurriculares, alimentação, viagens, vestimentas, Uma liberação total dos nascimentos deveria ter sido implementada pelo menos cinco anos atrás. Agora é muito tarde”,

Mamãe Índia moderna quer só dois filhos

Um drama distinto é vivido na Índia, o 2º país mais populoso do mundo com 1,37 bilhão de habitantes. Reforçando as tendências mais contemporâneas, no ano passado, nasceram 15,7 milhões crianças na China e 22,4 milhões na Índia. Nesse ritmo a população chinesa será ultrapassada já em 2027.

Para enfrentar tão grande desafio as autoridades demográficas indianas primeiro apelaram para uma política de esterilizações em massa em 1976 e 77 com apoio do Banco Mundial, inicialmente voluntárias e depois compulsórias principalmente para homens submetidos a vasectomias. Após denúncias de que 15 mulheres morreram devido a procedimentos médicos impróprios, a Corte Suprema baniu a esterilização coletiva, mas antes disso Indira Gandhi perdeu as eleições e o tema demográfico desapareceu por trinta anos das plataformas eleitorais. Agora, no entanto, o controle populacional tornou-se um instrumento político no governo ultradireitista do partido nacionalista hindu de Narendra Modi dirigido à eliminação seletiva de nascimentos em mulheres pertencentes às minorias raciais do país, visando combater em especial a chamada “bomba populacional muçulmana”.

A política indiana de controle populacional definida em 2019 estabelece incentivos para famílias com no máximo dois filhos, incluindo além da disponibilidade de métodos anticonceptivos, isenção de alguns impostos e cuidados à saúde sem custos, medidas como redução da pobreza, melhora dos níveis de educação, maior urbanização, redução da mortalidade infantil e materna, imunização universal, acesso a empregos públicos no regime de cota, manutenção das crianças por mais tempo nas escolas, retardamento da idade de casamento de 18 para 20 anos. O padrão de reposição populacional já foi alcançado na maioria do país, mas isso ainda está longe de acontecer nos cinco estados mais pobres, onde persiste a tradição de entregar as filhas para o marido desde a mais tenra idade. Entidades de proteção a direitos humanos e a própria ONU têm denunciado a realização generalizada de abortos clandestinos (e inseguros) na Índia, indicando que esta prática é responsável por 1/3 das mortes maternas, o que significa nada menos que 8 óbitos ao dia. Os incentivos serão cancelados para as famílias que optarem por mais filhos.

Para o chefe da área de projeções da Divisão de População da ONU, Frank Swiaczny, “os tempos de alta fertilidade acabaram”, mas essa “verdade” precisa ser explicada para os mais pobres, dando-lhes as condições necessárias para que possam acompanhar o comportamento dos mais ricos.

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