Turquia x Grécia: de novo?

agosto 30, 2020.

Vitor Pinto.

Escritor. Analista internacional.

A Mesquita Azul, Istambul, Turquia

Foto de Adli Wahid em Unsplash

Não é pelas razões atuais, pelas fantásticas reservas de gás no Mediterrâneo oriental, e sim pela compulsão beligerante de Recep Tayyip Erdogan, o maior encrenqueiro do planeta que não desiste do projeto pessoal de tornar-se um novo sultão. Turcos e gregos nunca se entenderam. Sem voltar demais na história, após quatro séculos sob domínio otomano, Atenas recuperou sua independência em 1832 (mais de quatro séculos depois da queda de Constantinopla e do Império Bizantino) e instalou no poder o príncipe Otto da Bavária, o primeiro Rei da Grécia. Em 1897 já desafiava o eterno inimigo pela soberania de Creta. A 1ª. Guerra Balcânica estourou em 1912 e a Guerra Grego-Turca estendeu-se de 1919 a 1922 quando nasceu a atual República da Turquia. Nos anos cinquenta, seguindo-se à entrada dos dois países na OTAN, deu-se o massacre e a expulsão das populações gregas de Istambul, reservando-se os anos finais da década para o surgimento dos conflitos no Chipre que perduram até hoje, em consequência da imposição da República Turca do Norte do Chipre. A Turquia é um dos únicos países do mundo que não reconhecem a nação cipriota e não é parte da Convenção das Nações Unidas da Lei dos Mares (Unclos na sigla em inglês) que, por sinal, é vinculante para os não signatários.

Mapa da Grécia e Turquia

Imagem extraída de Open Street Map.

Erdogan parece um governante civilizado até o momento em que a questão curda é posta na mesa das relações internacionais. Chegou ao ponto de indispor-se com Trump, Putin e Bashar al-Assad ao criar uma “área de exclusão” de 30 km dentro do território sírio para defender a Turquia em Idlib frente a supostas ameaças dos curdos que recém haviam conseguido aquilo de quem ninguém fora capaz: derrotar as forças do Estado Islâmico com apoio do governo norte-americano que, no entanto, os traiu retirando em seguida suas tropas.

Já por conta das disputas pela delimitação das áreas de jurisdição marítima no Mediterrâneo, Erdogan assinou um acordo em novembro do ano passado com o presidente líbio Fayez al-Sarraj criando uma nova Zona Econômica Exclusiva – ZEE – e ao mesmo tempo de cooperação militar para mútua defesa, o que permite reivindicar direitos sobre leitos oceânicos na costa leste do Mediterrâneo. Tudo sem qualquer aceitação ou reconhecimento dos demais países interessados, que consideram o Acordo no mínimo “altamente controverso”.

Recep Tayyip Erdogan

Recep Tayyip Erdogan. Imagem do site do Presidente da Ucrânia e disponível sob a licença Creative Commons Attribution 4.0 International.

Na própria Turquia há instabilidades. Em 2016 Erdogan deu um autogolpe e colocou nas insalubres prisões turcas a mais de 45 mil militares, policiais, políticos, funcionários públicos, juízes, governadores. Apesar disso e mesmo sendo considerado invencível por dominar ferreamente a administração, seu Partido de Desenvolvimento e Justiça perdeu as eleições locais de março de 2019 nas duas principais cidades – Ankara (a capital) e Istambul – para o oposicionista Partido Popular Republicano, embora tenha conservado a maioria no nível nacional. É provável que Erdogan esteja preparando outro expurgo a fim de evitar novas surpresas eleitorais, enquanto se dedica a alimentar um dos mais amplos conflitos dos últimos tempos, em que a Turquia se lança contra todos (exceto o meio-governo de al-Sarraj), seguindo-se às suas declarações de que a Turquia descobriu no Mediterrâneo as maiores jazidas de gás natural de sua história, estimadas em 320.000 milhões de metros cúbicos. “Deus abriu uma porta a riquezas nunca vistas e nosso objetivo é disponibilizar o gás dos poços de Sakarya (o nome dado às reservas) ao serviço da nação a partir de 2023”.

Oia, Grécia

Foto de Matt Artz em Unsplash

As mais recentes provocações turcas incluem o envio do navio Oruc Reis para a área recém descoberta no leste do Mediterrâneo com a finalidade de realizar testes sísmicos que precedem as atividades de exploração propriamente ditas, ao mesmo tempo em que iniciou exercícios bélicos na costa de Iskendern ao norte de Chipre. A resposta da Grécia foi rápida, fechando acordos primeiro com a Itália e agora com o Egito, o que cria uma ZEE que se sobrepõe à ZEE surgida em função do acordo entre Ankara e o governo líbio, ademais de aumentar a zona costeira no mar Jônio de 11 para 22 km (de 6 a 12 milhas náuticas). Expressando a posição pró-Grécia, o presidente francês Emmanuel Macron deslocou embarcações e jatos Rafael para a região em disputa, enquanto Angela Merkel propunha a Alemanha como mediadora. Chipre se estrutura em defesa de sua autonomia e os chanceleres da União Europeia e seus representantes na OTAN se reúnem às pressas para discutir alternativas caso os apelos a discussões diplomáticas não prosperem.

No momento, barcos equipados com armamento pesado de ataque e defesa se cruzam ou se observam a curta distância nas águas mediterrâneas do oriente. O mundo espera que Recep Tayyip tenha uma crise de boas maneiras optando por reafirmar seu ego em outras plagas.

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