Estado Islâmico chega ao fim?

março 08, 2019.

É possível assegurar que o Estado Islâmico (EI), o mais violento grupo jihadista surgido no Oriente Médio nos últimos anos, realmente acabou após a esmagadora derrota do califado no sudeste da Síria? A materia a seguir, baseada em informações atuais publicadas pela BBC News, Al Jazeera, Agências AP, AFP, NYT, El Comercio (Lima), The Guardian e mídia internacional presente no Oriente Médio, discute o novo estágio em que se encontra a guerra nos áridos campos de Mosul. O fato é que o último reduto dominado pelo EI na localidade síria de Banghouz submeteu-se às forças curdas dando por encerrado o capítulo  mais bárbaro promovido pela facção sunita originária da Al Qaeda.

A rendição para os curdos em Banghouz na Síria

Women walk with children near the village of Baghouz in the Deir Az Zor province [File: Rodi Said/Reuters] [File: Rodi Said/Reuters] Mulheres e suas crianças deixam Baghouz na província síria de Deir Az Zor em 2/3/2019

Combatentes do Estado Islâmico EI) e suas famílias, além de moradores remanescentes, finalmente saíram do povoado de Banghouz no sudeste da Síria, considerado o seu último reduto, por um corredor humanitário esstabelecido pelas forças curdas para aqueles que desejassem sair ou render-se. Entre os muitos civis que, carregando apenas algumas peças de roupa, abandonaram o enclave, havia centenas de terroristas do "Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS na sigla em inglês)".

Para possibilitar a debandada, as forças curdas apoiadas pelos Estados Unidos suspenderam seus ataques na região, com o que "um grande numero de jihadistas se renderam às nossas forças, mas não está claro quantos combatentes e civis do ISIL permaneceram", declarou um comandante curdo à reportagem da Al Jazeera que presenciou cenas dramáticas de mulheres envoltas em veus negros e muitas crianças escalando caminhões no deserto. Pelo menos 10 mil pessoas que abandonaram o derradeiro bolsão jihadista desde 20 de fevereiro foram levadas ao campo de refugiados de al-Hol ou de detenção no caso de combatentes. Os locais de apoio humanitário que acolhem os que fogem de Banghouz estão à beira do colapso. Segundo Robert Mardini, do Comitê Internacional para a Cruz Vermelha, a população no campo de refugiados aumentou de 34.000 no começo de dezembro para 45.000 agora e vários milhares, principalmente mulheres e crianças, chegam diariamente e que "não há fim à vista". Os que saem de lá estão "doentes, feridos, cansados, com medo" e a situação no acampamento está "fora de controle". Ele também disse que a Cruz Vermelha Internacional está pronta para ajudar com qualquer repatriação de combatentes do ISIL e suas famílias, desde que sejam negociados acordos com seus países de origem. Mardini chamou isso de "uma das questões mais complexas, não apenas do ponto de vista humanitário, mas também de se os países querem que seus nacionais retornem ou não".

Nada será fácil ou tranquilo. Muitas das mulheres detidas e forçadas a abandonar o que tinham mostraram-se agressivas e assumiram uma posição de aberto desafio, cantando "o EI permanecerá. Deus é grande",  enquanto ofendiam aos jornalistas e aos que as submetiam.

Estado Islámico

Agora a ameaça é Erdogan

As forças que, de fato, derrotaram o EI no terreno, encarregando-se do serviço brutal (e que na fase mais dura, desde 2014, parecia impossível de terminar com sucesso) o qual nenhuma das 78 potências que formaram a aliança internacional liderada pelos Estados Unidos se dispôs a realizar, foram as brigadas curdas da Síria que ao lutarem pelos outros lutavam principalmente pela própria autonomia.

Oa norte-americanos lhes deram armas e equipamentos de guerra, mas agora podem abandoná-los à sanha de um inimigo implacável: Recep Tayyip Erdogan, o presidente-ditador turco que imagina estar revivendo os tempos do Império Otomano. O povoado de Banghouz não tem mais de meio quilômero quadrado e com a limpeza dos jihadistas do EI fica nas mãos dos curdos da Unidade de Proteção Popular (YPG na sigla em inglês) que confessam terem ficado expostos, numa posição extremamente frágil, e pedem ao Ocidente e ao Conselho de Segurança da ONU que destaque uma força internacional isolando-os da fronteira turca.
Aldar Jalil que chefia as milícias curdas lembra que depois de terem feito todo o trabalho "sujo" expulsando os terroristas, não podem agora ser abandonados, o que fatalmente ocorrerá tão logo de fato Donald Trump retire seus 2.000 'mariners'. "Precisamos proteção aérea, pois se quiserem nos derrotar com uma ofensiva apenas por terra não conseguirão vencer", diz Jalil. Erdogan, que considera o YPG uma força terrorista igual à do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) que desde 1984 o combate dentro da Turquia, acaba de anunciar uma operação conjunta com o Irã para enxotar os curdos de sua fronteira com a Síria. Até o momento, na guerra síria, os turcos têm apoiado as forças nacionalistas que combatem o governo de Assad, o qual só conseguiu se manter (e já domina 2/3 do seu território) graças ao apoio da Rússia e do Irã.
Contudo, caso não consiga obter a proteção do Ocidente - que seria algo similar à Finul da ONU que protege a fronteira do Líbano frente às ameaças de invasão de Israel -, os curdos apelarão ao regime de Bashar al Assad para proteger-se. Além disso dizem que poderiam simplesmene liberar os milhares de combatentes do EI que mantém presos.  "Eles poderiam simplesmente retornar a seus países de origem", declarou Jalil. Na "ofensiva" de declarações de lado a lado, Vladimir Putin já comentou que o melhor para os curdos seria começarem logo a conversar com Damasco. Assad, por seu turno, advertiu às facções curdas na Síria de que os americanos não os protegerão frente a uma ofensiva turca.

Kurdos en Siria piden a Occidente una fuerza internacional frente a Turquía | Deir Ezzor | Baghuz. Foto: AFP

Curdos na Siria pedem ao Ocidente uma força internacional frente à Turquía (Deir Ezzor/Banghuz) - Foto: AFP

Conseguirá reinventar-se o Estado Islâmico?

Em sua análise, a BBC responde que "sim" à pergunta de se o califado do grupo jihadista, que chegou a dominar uma área de 8 milhões de km2, conseguirá refazer-se, mas alerta que não da mesma maneira.  "O autoproclamado Califado está praticamente acabado, mas muitos dos fatores que impulsionaram seu avanço no início ainda estão presentes."

Para um dos chefes do serviço secreto britânico, Alex Younger, "a derrota militar do califado não representa o fim da ameaça terrorista. O EI se transformará e se extenderá dentro da Síria e fora dela." Já os serviços de inteligência alemães afirmam que o EI se está tornando uma organização clandestina que vai tecendo uma complexa rede de ligações com outros grupos que tenham interesses similares.

Estimativas de especialistas indicam que de 20 a 30 mil militantes do EI se dispersaram, por ora, pelo Iraque e pela Síria, negando-se a retornar a seus países com receio de serem julgados. Há, ainda grupos menores no Egito, Afeganistão, Líbia, no oeste da África, no sul das Filipinas.

Assad, garantido pela força russa, está mais forte do que jamais esteve, mas o ódio permanece vivo em seu país e não só entre sunitas e xiítas. A insuperável instabilidade da Síria fornece combustível abundante para uma ressurreição, ainda que em doses menores ou em espaços limitados, seja da Al Qaeda seja de sua face mais radical, o EI.  (VGP)

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Mulheres e crianças na carroceria de um caminhão após terem sido evacuadas do derradeiro território mantido pelo EI na Síria (foto de Andrea Rosa/AP)

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