Bálcãs Ocidentais, a difícil aposta (7º texto da Série "Bálcãs: um debate atual")*

agosto 09, 2018.

A União Europeia (UE) que já se expandiu, incorporando 11 países do leste (Bulgária, Rep. Checa, Estônia, Letônia, Lituânia, Hungria, Polônia, Romênia, Eslovênia, Rep. Eslovaca e Croácia), agora se dedica a uma nova tarefa: conquistar a adesão organizada e segura das seis nações dos Bálcãs Ocidentais - Sérvia, Bósnia&Herzegovina (B&H), Montenegro, Macedônia, Albânia e Kosovo. Por um lado, seria um modesto acréscimo populacional de apenas 21 milhões de habitantes (4% a mais em relação aos atuais 512 milhões), mas o seu real significado em termos geopolíticos e sociais é em boa parte imprevisível. Embora o discurso oficial seja de que a intenção é de promover o progresso e a estabilidade para os Bálcãs, na verdade o objetivo primário é de tornar a Europa mais segura evitando que seja contaminada por problemas limítrofes. "Zero problemas" no lado de lá das fronteiras, tem sido a palavra de ordem. Johannes Hahn, Alto Comissário da UE, mantém suas restrições ao processo de incorporação dos Bálcãs Ocidentais ao dizer que se está diante de uma escolha entre exportar estabilidade ou importar instabilidade, acrescentando que as alterações de zonas limítrofes entre os seis países, várias vezes sugeridas, "não são aceitáveis, são desnecessárias e contraproducentes". Os pessimistas, que consideram a região muito pouco confiável, lembram que entre 2012 e 2017 cerca de 1.000 jihadistas balcânicos foram recrutados para lutarem na Síria e no Iraque, dos quais 200 perderam a vida, 300 retornaram e 400 teriam por lá permanecido, lutando ao lado do Estado Islâmico.

UE: Cinco Cúpulas para os Bálcãs Ocidentais

Uma verdadeira blitzkrieger foi lançada para resolver o problema, na forma de cúpulas anuais do mais alto nível entre a UE e os seis países dos Bálcãs Ocidentais, iniciadas em 2014 na Alemanha, justos cem anos depois de começada a 1a. Guerra Mundial. O documento final gerou o Processo Berlim destinado a revitalizar as políticas europeias de ampliação. A 5a. reunião (seguindo as de Viena, Paris e Trieste) ocorreu em 10 de julho passado em Londres com a presença de Theresa May, dos primeiros dirigentes dos países envolvidos e de seus respectivos staffs. A óbvia contradição está em que ao mesmo tempo em que advoga um suposto fortalecimento da UE pela adesão de novos países, o Reino Unido com o Brexit está abandonando a aliança regional. "Estamos deixando a UE e não a Europa", repetem os conservadores que comandam o Reino Unido desde o nº 10 da Down Street. No entanto, é difícil separar as políticas britânicas, isolacionistas por um lado e pretensamente integradoras de outro. O fato é que o próprio discurso dos europeístas em relação aos Bálcãs Ocidentais mudou, deixando de lado a proposta de membership (tornarem-se membros) para privilegiar o termo conectivity (conectividade). Isso significa que alguns obstáculos precisam ser removidos antes do direito ao acesso pleno, ou seja, resolver com urgência os conflitos bilaterais. No fundo, os formuladores de políticas da UE consideram que as lideranças dos seis países deveriam ser substituídas, mas isso não tem sido possível. Os líderes, aferrados ao poder, têm mandatos sólidos conquistados ou renovados recentemente, tanto que o mais antigo é o da tripla presidência da B&H onde o poder é dividido entre um bósnio, um sérvio e um croata. Dados sobre população, área, etnias e religiões por país estão no 3º texto desta Série: Península balcânica e suas raízes, referido ao final.

Um retrato bastante preciso, feito pelo The Economist (Western Balkans to 2025) resume o quadro atual: alto risco geopolítico, desafio do fundamentalismo islâmico, múltiplas disputas multilaterais, resquícios das guerras dos anos 1990; competição permanente entre potências externas (EUA, China, Rússia e Turquia); fragmentação étnica; baixíssima confiança do povo nos seus governos; corrupção endêmica; altas taxas de desemprego; acesso a armas de pequeno porte; abusos de direitos humanos; numerosos refugiados e pessoas deslocadas de seus territórios.

Divisão do Kosovo e a Grande Sérvia

Há uma longa história de conflitos e nos Bálcãs nada é esquecido, nada é perdoado. O império sérvio, que Slobodan MIlosevic tentou refazer no início dos anos 1990, só terminou no século XIV com a morte de Stefan V; a Batalha de Kosovo que marcou o domínio otomano nos Balcãs ocorreu em 1379; durante a última guerra, na planície balcânica a Croácia católica aliou-se à Alemanha, enquanto a Sérvia ortodoxa lutou ao lado da Rússia; modernamente, na Guerra da Bósnia (1992 a 1995) a limpeza étnica em nada ficou devendo às práticas de Hitler. Na B&H, ainda hoje 44% são bósnios muçulmanos, 31% sérvios, 17% croatas. Na Albânia e no Kosovo o islã tem predomínio quase absoluto, o que leva seus líderes, Edi Rama e Thaci Hashim, a cevarem a ideia de uma Grande Albânia que absorveria parte da Macedônia, afinal reunindo todos os albaneses em uma só pátria. Isto jamais seria permitido pela Sérvia que considera o Kosovo como território seu e nunca deixa de pensar numa Grande Sérvia que seria composta pela Croácia, B&H, Montenegro, Macedônia (ex-Iugoslávia) e, ainda, por partes da Albânia, Bulgária, Romênia e Hungria.

Toda vez que se fala em uma solução negociada para os conflitos bilaterais na região, os apetites dos guerreiros chefes ultranacionalistas são aguçados. Desta feita e para variar são novamente os sérvios que pretendem redividir o Kosovo, reabrindo feridas que fatalmente irão repercutir na vizinhança. Quando do Tratado de Dayton em dezembro de 1995, para colocar um fim em três anos e meio da guerra bósnia a B&H foi dividida em duas partes, uma com 49% do território passou a ser a República SRPSKA de sérvios bósnios; a outra para as comunidades croata e bósnia. Já a autoproclamada (em 2008) República de Kosovo, onde 90% dos residentes são albaneses, nunca foi reconhecida nem pela Sérvia nem pela sua aliada, a Rússia. A ameaça agora é de que se o Kosovo for redividido, a SRPSKA desejará unir-se numa só nação com a Sérvia. O presidente kosovar, Hashim Thaci, em cima do muro, declarou-se contrário à partição do seu país, mas deixou em aberto a possibilidade de uma "correção das fronteiras".

Influências externas e o isolamento do Brasil

Se você está achando a situação confusa é porque ela realmente é. Mas, que tal considerarmos adicionalmente as influências e os apetites externos? Os Estados Unidos, que pretendem dar palpite sobre tudo, não estão sós. A posição norte-americana - tradicionalmente de apoio ao Kosovo e à B&H - parece estar mudando, com base em posições comuns de líderes de ultradireita. Em visita a Washington no último dia de julho último, a ministra sérvia de Relações Exteriores, Ivica Dacic, discutiu a partição do Kosovo com Jared Kushner, genro e assessor de Donald Trump. Já Zelja Cvijanovic, a 1a. Ministra da SRPSKA e dona de um privilegiado par de pernas as quais costuma mostrar em ousadas minissaias nas reuniões de alto escalão (vide foto), reuniu-se com um grupo de destacados integrantes da equipe de campanha (e agora do governo norte-americano) de Trump - Jason Osborne, Mike Rubino, Corey Lewandowski, Steve Bannon - para anunciar a formação na Europa de uma organização denominada de "O Movimento" com objetivo de impulsionar populistas ultradireitistas, conforme revelou M. Gadzo pela Al Jazeera (em: https://www.aljazeera.com/indepth/features/ethnic-borders-redrawn-greater-serbia-180808152223486.html).

A Rússia por suas afinidades com os eslavos ortodoxos não esquece o bombardeio unilateral da Sérvia (sua velha e firme aliada) pela OTAN em 1999 e reforça seus investimentos na área. A China está tirando proveito da nova política de conectividade da UE para consolidar-se nos Bálcãs. Mas é a Turquia de Erdogan que está mais ativa. Aleksander Vucic, o todo-poderoso comandante sérvio, visitou Ancara para declarar, face a face com Erdogan, que "a Turquia é o maior poder, o país mais forte nos Balcãs". O Império Otomano ai esteve do século XIV ao início do século XX e, por isso, os turcos são odiados por uns e aceitos por outros. A base de relacionamento é, naturalmente, a religião muçulmana, mas não se pode esquecer que Ataturk, o pai da moderna Turquia, morou e estudou por muitos anos na Macedônia, estimando-se que 6 milhões de turcos têm ancestrais macedônios. Erdogan sempre viu com bons olhos o processo de libertação dos países balcânicos, tendo reconhecido um dia após sua proclamação a independência do Kosovo, quando o mundo apenas observava, de má vontade, a iniciativa kosovar em Pristina.

[caption id="attachment_5349" align="aligncenter" width="300"] a4650b39c4724b3dacaca42bccfa236c 18 300x169 Da esquerda para a direita: Zeljka Cvijanovic, 1a. Ministra da República SRPSKA na B&H, de minissaia; ao seu lado Milorad Dodik, presidente da SRPSKA; à direita, no meio, Tomislav Nikolic, presidente anterior da Sérvia e no extremo direito com a perna cruzada Aleksandar Vucic, 1º Ministro da Sérvia, reunidos em Belgrado para discutir um possível futuro referendo (Anadolu Agency, Getty Images, 2016).[/caption]

Acompanhando os debates das lideranças maiores em Londres, os ministros de Economia estabeleceram um plano de ação plurianual considerando os Bálcãs Ocidentais como um só canal de investimentos que preveem um aporte de 150 milhões de euros para 2019/2020, com a intenção de alavancar  até 1 bilhão de euros adicionais de outras fontes no mesmo período. A próxima reunião de cúpula. no ano que vem, acontecerá em Poznan, antiga capital polonesa situada a meio caminho entre Berlim e Varsóvia. Angela Merkel, Theresa May, os representantes da França, Itália, Áustria e os líderes regionais se comprometeram com uma rota que resultará na inclusão de Sérvia e Montenegro na UE em 2025, desde que todas as questões bilaterais em aberto sejam resolvidas por meio de negociações comuns. Tudo dando certo, B&H, Albânia, Kosovo e Macedônia estão escalados como os próximos fregueses.

O Processo Berlim de integração e superação gradativa de problemas que se propõe inclusive a injetar recursos para estimular as economias dos seis países mais críticos dos Bálcãs pode, também, ser visto como um excelente exemplo para o Brasil e para a América Latina, um grupo de países que, sem apoio, cada vez mais afunda em suas crises, esquecendo e sendo esquecido pelo mundo.(VGP)

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