Iêmen perde seu maior líder

dezembro 05, 2017.

Um certeiro foguete disparado por um comando Houthi explodiu o carro em que o ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh tentava fugir ao cerco imposto pelos seus mais recentes inimigos nos arredores de Sanaa, a capital. Abdul Malik al-Houthi que comanda o grupo rebelde substituindo seu pai que foi assassinado por sicários de Saleh treze anos atrás, foi à TV Al Masirah para dizer que o traidor afinal foi morto, referindo-se ao rompimento político de Saleh com os Houthis anteontem, que assim se bandeou para o lado da coalizão liderada pela Arábia Saudita no Iêmen.

Para entender as raízes do conflito iemenita, leia, no link abaixo, o texto publicado neste site em 29//1/2015.

https://mundoseculoxxi.com.br/2015/01/29/iemen-um-pais-sem-esperancas/

Para o povo iemenita nenhum homem, nenhum líder se compara a Saleh. Ele governou o país com mão de ferro por mais de três décadas até ser deposto em 2012 graças a um acordo, patrocinado pela ONU e pelos EUA, que na prática impediu a Primavera Árabe de chegar ao país e colocou o vice Abu-Rabbu Hadi no poder. Contudo, Saleh - uma figura camaleônica habituado aos conchavos e à corrupção sem freios -, manteve o controle sobre uma parte importante do Exército e se aliou aos Houthis, originalmente um povo guerreiro de base xiíta vindo das montanhas do norte que bombardeou a capital Sanaa em 2014 para tomá-la e ai instalar um governo pirata. Hadi fugiu para a Riad, de onde um ano depois os sauditas, mesmo sem conseguir retomar Sanaa, o reempossaram num governo instalado no interior.

Face ao apoio dado pelos iranianos e pelo Hezbollah à parceria entre Houthis e Partido Congresso do Povo (PCP) de Saleh, não demorou muito e em 2015 a Arábia Saudita liderando uma coalizão de países sunitas, sob o argumento de que as monarquias do Golfo estavam sendo desafiadas, passou a submeter o Iêmen a um bombardeio aéreo constante. Mas, com o tempo se esvaindo e o fracasso em reconduzir Hadi a um governo realmente nacional, os sauditas se cansaram de Hadi e resolveram trocá-lo pelo velho Saleh que aos 75 anos é a raposa política de sempre. Na verdade o "casamento" dele com os Houthis sofre fissuras desde o primeiro momento, um processo que se agravou com o assassinato de Khalil al-Rhadi, velho líder do PCP.  Caso necessário, ele pode ceder seu lugar ao filho Ahmed, que já completou 40 anos, a idade mínima  estabelecida pela Constituição para ser presidente. Tanto Ahmed, o filho de Saleh que já completou 40 anos (idade mínima estabelecida pela Constituição para ser presidente), quanto o ex-primeiro ministro Khaled Bahah, vivem em Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos, o membro mais ativo da coalizão saudita.

O Iêmen é uma nação miserável e devastada pela guerra, hoje rateada em três partes: uma sob domínio de forças leais a Hadi centradas em Marib; outra sob domínio Houthi na capital e amplas áreas do norte, e uma última nas mãos da Al-Qaeda e do Estado Islâmico em localidades como Aden e Zinjibar. Sentindo-se fortes, os Houtis têm lançado mísseis na direção da Arábia Saudita, que os intercepta graças ao sistema anti-míssil Patriot instalado pelos Estados Unidos.

Cada vez mais parece inevitável uma nova divisão do Iêmen: o norte, acidentado e pobre, que durante anos foi comunista, para os xiitas; o sul, para os sunitas. A derradeira traição de Saleh não foi perdoada. Seus homens, membros da temível  Guarda Republicana, atacaram sem tréguas as forças Houthis nos últimos dias até que, sentindo  que a batalha poderia ser perdida, seus aliados de ontem decidiram eliminá-lo. Saleh costumava dizer que governar o Iêmen é como dançar sobre cabeças de cobras. Na última 2a. feira uma delas o picou.

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