Vinhos para rejuvenescer

setembro 14, 2016.

A República Tcheca, um pequeno país no norte da Europa com seus 79 mil km2 (mesmo tamanho do Panamá e metade do território do Acre) e 10,5 milhões de habitantes, nasceu junto com a Eslováquia em 1993. Quatro anos antes a revolução de veludo levou o poeta Vaclav Havel à presidência, na fratura pacífica da Tcheco Eslováquia face ao desmantelamento da ex-União Soviética e seus satélites.

Famosos como os maiores bebedores de cerveja do mundo (incríveis 143 litros per capita ao ano contra 110 l dos alemães em 2º e 68 l dos brasileiros em 27º), os tchecos tentam agora fazer de seu país também um líder nos vinhos, baseados numa longa história que remonta ao Império Romano com Marco Aurélio Probus que no ano de 278 encorajou a plantação de videiras nas colônias ao norte dos Alpes. A evolução só não foi continua porque os vinhedos foram arrasados em duas ocasiões: ao longo da Guerra religiosa dos 30 anos, iniciada na Bohemia em maio de 1618; e depois com a filoxera instalada a partir da localidade de Satov em 1890 e só dominada com o enxerto de raízes americanas resistentes ao inseto. Considerada a 1ª. Era de Ouro da vinicultura tcheca, durante o século IX quando floresceu o Grande Império Morávio, nos monastérios se produziam vinhos para as celebrações litúrgicas.

. Com o Ato 50/2002 que criou o Fundo Tcheco do Vinho e, logo, com a adoção das normas específicas da União Europeia, o setor modernizou-se adotando novas variedades resistentes aos fungos e às intensas geadas nas duas regiões onde se consolidou a produção de vinhos de qualidade: 96% na Morávia do Sul entre Brno e a fronteira austríaca, e o restante na Bohemia em cultivos situados no paralelo 50 Norte (o mesmo da região alemã de Wiesbaden), aproveitando-se de solos calcários a base de argila, xisto (piçarra) e loesse, um tipo de limo frágil e extremamente fértil. Os muitos rios da região, vários deles afluentes do Danúbio, formam lagos, naturais ou não, que fazem dos campos entre as cidades de Valtice e Lednice um patrimônio da humanidade por sua extraordinária beleza.

Hoje o consumo nacional é de 226 milhões de litros anuais de vinho, ou 21,5 litros por habitante, bem abaixo de Luxemburgo e França (46 l per capita), mas muito acima da nossa eterna média de 1,8 litro para cada brasileiro. Predominantemente concentrada em vinhos brancos (2/3 da produção nacional) com um teor alcoólico entre 7% e 11%, na última Vinalies, a grande competição internacional de Paris, 3 rosés e 4 brancos obtiveram medalhas de ouro, com destaque para o Krist Rullandske 2015, o Michlovsky Riesling 2003, o Znojmo Tramín 2015 e o Bohemia Prestige brut Chardonnay, um espumante da safra de 2013. Uvas müller-thurgau, grüner-veltliner e riesling respondem por 38% de toda a colheita, mas algo de pinot noir e cabernet sauvignon aos poucos começa a se destacar. Muito apreciados são os vinhos doces de late harvest (colheita tardia) e os Ice Wines, feitos a partir de uvas colhidas a temperaturas de quando muito 7 graus abaixo de zero. A chaptalização (adição de açúcar ao mosto para elevar o teor alcoólico final), ainda tão empregada no Brasil e em poucos outros países, não é permitida.

Procurando tirar vantagem do crescente interesse dos consumidores pelo vinho e de suas privilegiadas paisagens, o país começou a apostar na vertente do turismo-saúde. Por seus efeitos antioxidantes, as antocianinas e o resveratrol presentes em especial nos vinhos tintos são reconhecidos agentes preventivos para várias problemas ligados ao envelhecimento e ao estresse como as doenças cardiovasculares e neurodegenerativas. Com base no conceito de que benefícios orgânicos  podem ser obtidos não apenas ao ingerir esses polifenóis contidos em vinhos e chás, os tchecos decidiram popularizar os “banhos de vinho” que permitem o contato direto através da pele. Em cidades-spa como Frantiskovy Lázne e Karlovy Vary (na Bohemia), p.ex., onde os banhos de cerveja já são conhecidos há mais tempo, a prática da “vinoterapia” tornou-se comum e é oferecida como uma espécie de elixir para prevenir o envelhecimento, regenerar os tecidos cutâneos e, com isso, estimular o rejuvenescimento, além de produzir um bem-estar surpreendente. Encontrados principalmente no circuito de cidades saudáveis e turísticas das montanhas, também são acessíveis em hotéis como no Castelo de Zabreh em Ostrava ou no Jalta em Praga, a capital.

À medida que a “vinoterapia” ganhou espaço inclusive no marketing interessado em na conexão entre turismo e saúde, o debate acerca de seus benefícios se acirrou também em outros países. Nos Estados Unidos (vide imagem), com a novidade se tornando moda entre figuras famosas do jet-set, a discussão se aprofundou. De fato, não há comprovação científica sobre a eficácia do método, nem se conhecem os efeitos da absorção cutânea do resveratrol em sessões frequentes ou prolongadas, embora inexistam relatos de qualquer consequência tóxica relacionada aos banhos que em geral duram 40 minutos e, no caso da Rep.Tcheca, acontecem em banheiras de carvalho roble individuais ou para casais. Os seus defensores argumentam que simplesmente beber vinho não fornece um nível terapêutico adequado de polifenóis, pelo que aconselham, além dos banhos, o acréscimo de massagens e o uso de máscaras. Alertando ainda que o processo não deve ser confundido com a imersão em tinas onde apenas se despejam algumas garrafas de vinho tinto à água (esta para evitar a ação de ressecamento da pele típica do álcool). É preciso fazer uma infusão com folhas de parreiras e cascas de uva extraídas diretamente do pé. Naturalmente, recomenda-se beber umas poucas taças de bom vinho durante o “tratamento”.

Para agitar ainda mais o mundo dos enólogos, uma descoberta extraordinária no castelo de Becov nad Teplou na região de Karkovy Vary junto à fronteira alemã revelou a existência de uma coleção de 133 garrafas dos mais raros vinhos europeus produzidos entre 1856 e 1899, agora avaliada em não menos de 1,2 milhão de euros (R$ 4,4 milhões).  O mais incrível é que estão em perfeito estado, o que levou Greg Lambrecht, o especialista (inventor do método Coravin que permite testar o conteúdo sem remover a rolha) destacado para provar o conteúdo - entre outros, de um Chateau D’Yquem 1896, um Porto 1890, um Pedro Jimenez 1899 – a declarar, encantado, que eram os melhores vinhos que já provara em toda sua vida. Pertencia à família Beaufort-Spontin que em 1945, acusada de ter colaborado com os nazistas, fugiu para a Bélgica, não sem antes esconder seus muitos e variados tesouros em baixo do assoalho da capela do castelo, onde só foram descobertos quarenta anos depois por uma patrulha enviada pelo governo tcheco. Protegendo-se de uma nevasca os gendarmes se abrigaram na capela onde quase que por acaso encontraram uma espantosa coleção de joias, entre as quais o Relicário de São Mauro (Santo Amaro) que seria o repositório sagrado das cinzas de São João Batista. Diante de tais maravilhas as garrafas ficaram relegadas ao esquecimento até que ultimamente o governo resolveu vendê-las e então ficou sabendo quanto valiam. Durante 150 anos a “adega” sobreviveu a ditaduras fascistas, aos governos comunistas, a duas guerras mundiais durante as quais a antiga Tcheco Eslováquia  sempre foi invadida e saqueada, para enfim vir à luz em tempos de democracia. (VGP)

[caption id="attachment_3257" align="alignright" width="300"]Vinoterapia - Casal se submete a banho de vinho Vinoterapia - Casal se submete a banho de vinho[/caption]

[caption id="attachment_3258" align="alignleft" width="300"]Karlovy Vary, modelo do circuito de turismo nas montanhas tchecas Karlovy Vary, modelo do circuito de turismo nas montanhas tchecas[/caption]

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