A paz com as Farc

junho 23, 2016.

A penúltima quinta feira de junho deste 2016 é sem dúvida uma data de valor histórico. Finalmente o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias de Colombia, as Farc, reuniram-se em Havana para firmar um acordo de paz que promete dar fim a cinquenta e dois anos de uma luta que consumiu pelo menos  223 mil vidas e causou o deslocamento forçado de cerca de 7 milhões de pessoas. Assinarão o presidente Juan Manuel Santos pelo governo e Rodrigo Londoño, o Timochenko, líder maior da guerrilha, na presença dos presidentes de Noruega e Cuba como países garantidores do processo e, ainda, do Chile, Venezuela, República Dominicana e El Salvador, mais o Secretário-Geral da ONU que terá a seu lado os presidentes do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral, e representantes do governo norte-americano e da União Europeia.

Em meu livro Guerra en los Andes (Ed. Abya-Yala, Quito, 2008) resumi u o começo desse trágico período. Ao longo de seus primeiros vinte anos de existência as Farc tiveram um reduzido crescimento e pouca relevância no panorama político colombiano, mas a situação mudou a partir do começo da década dos anos 80, quando o boom do negócio paralelo do narcotráfico fez aparecer uma forte fonte de financiamento que se somou aos ganhos tradicionais por taxas de proteção e sequestros. A história das Farc, de fato, começou em maio de 1964 com a Operação de Segurança Latino-Americana (Latin America Security Operation) que era apoiada pelos EUA com sede ao sul de Neiva, capital do estado de Huila. A presença de tropas de armamento pesado, helicópteros e aviões de reconhecimento tinha como objetivo atacar Marquetalia, uma comunidade independente com aproximadamente 5 mil habitantes, a maioria formada por camponeses oriundos das guerrilhas liberais dos tempos da “Violência”, e que era comandada por Miguel Marulanda Vélez, el Tirofijo (o Tiro certeiro).  Obrigados a fugir para a selva e para as montanhas, cinco pequenos grupos de guerrilheiros decidiram criar o Bloco Sul que em abril de 1966 se transformou nas Farc.

As negociações atuais, às vésperas de completarem quatro anos, resultaram em acordos relativos a três grandes áreas: Agrária com a instituição de um Fundo de Terras e de linhas de crédito específicas; de Drogas para permitir a substituição dos cultivos de coca, sob o “reconhecimento condicionado” das Farc de que não mais terão vínculos com o narcotráfico; de Vítimas com base na busca da verdade, da justiça e de reparações, incluindo o compromisso de que os guerrilheiros não serão extraditados, pagarão penas em condições especiais e poderão participar na política regular.

O que se assina hoje é um cessar-fogo bilateral e definitivo junto ao fim das hostilidades e ao abandono das armas. Seguindo-se ao silêncio dos fuzis as Farc se transformarão em uma organização de caráter político, como os partidos e tantas outras existentes no país. Para que principalmente o povo se convença de que é para valer, ainda restam definições concretas como as datas e locais para a entrega dos armamentos, a realização do plebiscito e a nomeação dos componentes do Tribunal Especial de Paz que deve ser composto por magistrados da ONU, do Vaticano e da Corte Suprema de Justiça colombiana, Juan Manuel Santos diz que o Acordo Final poderá ser firmado dia 20 de julho, mesmo que restem detalhes (na realidade os Acordos têm muito palavrório desnecessário e uma profusão de subentendidos e serem explicados ou regulamentados).

Comandados pelo ex-presidente de direita Álvaro Uribe, os que se opõem ao processo de paz prometem fazer de tudo para anulá-lo, mas entre os que estão fartos da guerra somam-se até mesmo os próprios guerrilheiros, embora os que de fato não sabem fazer mais nada a não ser lutar ainda possam optar em aderir às gangues do submundo ou ao Exército de Liberação Nacional, ELN, que permanece formalmente excluído das conversações. (VGP)

[caption id="attachment_2311" align="alignright" width="300"]Manoel Santos, Raul Castro e Timochenko firmam o que deve ser a paz na Colômbia. Havana, 23/6/2016 Manoel Santos, Raul Castro e Timochenko firmam o que deve ser a paz na Colômbia. Havana, 23/6/2016[/caption]

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