Dolarização equatoriana em cheque

agosto 10, 2015.

“A dolarização do Equador foi um erro” diz o presidente Rafael Correa, que uma vez mais está tentando fugir do sistema monetário imposto há quinze anos que o proíbe de emitir dinheiro para gastá-lo onde melhor lhe aprouver. Em meu livro Guerra en los Andes (Edit. Abya-Yala, Quito, 2a. Ed., 2008) descrevo a trágica situação que forçou o país em 9 de janeiro de 2.000 a promover a dolarização da moeda no que se chamou de “assassinato do sucre” (a moeda nacional). Ao final do ano anterior o Equador atravessava uma aguda crise econômica e política sob o governo de Jamil Mahuad. Enquanto a inflação chegava aos 187% ao ano, em seu pior momento, o governo baixou o Decreto 685 congelando os depósitos bancários e contas de poupança com valor acima de 500 dólares prometendo devolvê-los num prazo de dez anos. O dólar saltou de 6.500 sucres para 25.000 sucres. Indignado, o povo saiu às ruas e tomou o palácio do governo forçando a queda de Mahuad. Na Casa da Moeda em Salgonquí, a 30 minutos de Quito, instalou-se uma máquina trituradora com capacidade de picar até 700 mil cédulas de sucre por hora. Caminhões com o falecido dinheiro equatoriano vinham de todas as partes do país depositando sua carga, antes preciosa e agora inútil para alimentar a voraz picadora. Até setembro daquele ano converteram-se a dólares todos os preços, salários e depósitos. Os presidentes que se sucederam mantiveram a dolarização, inclusive Correa que está no poder desde janeiro de 2007 (tomou posse na presença de Evo Morales, Hugo Chávez, Lula e Mahmoud Ahmadinejad, seus principais apoiadores externos) e pretende ai permanecer indefinidamente ou pelo menos até 2.017.

Dolarização é um sistema monetário no qual um país renuncia à sua própria moeda e adota o dólar para usá-lo como sua moeda legal. Este é o caso, também, do Panamá, El Salvador, Ilhas Virgens, Timor Leste e algumas ilhas caribenhas e do Pacífico norte. Ao contrário dos demais países, o Banco Central equatoriano foi mantido com atribuições limitadas como a de administrar o sistema de pagamentos e determinar taxas de juros. Os resultados foram positivos. Uma avaliação dos primeiros dez anos de vigência mostrou que a inflação diminuiu de 90% para 3% ao ano a partir de 2004; o PIB que vinha caindo a uma taxa superior a 6% voltou a crescer na marca de 4,4%; o estrato de população em miséria absoluta diminuiu de 38% para menos de 11% no período. Analistas avaliam que a performance superior da economia equatoriana em comparação à de outras nações populistas da região como Argentina e Venezuela, deve-se à força protetora da dolarização.

[caption id="attachment_2181" align="alignright" width="300"]Rafael Correa, presidente do Equador Rafael Correa, presidente do Equador[/caption]

Por que, então, o presidente Correa, que é economista, insiste em dizer que “a adoção do dólar norte-americano como moeda do Equador foi um erro imenso”?  Há duas classes de razões que explicam as atitudes do presidente. Em primeiro lugar está a explosão de gastos públicos que, de acordo com Ezequiel Vázquez em seu texto “El fín de la dolarización en Ecuador” (El País, 15/6/2015), gerou desequilíbrios socioeconômicos até aqui financiados pelas dívidas externa e interna, esta dilapidando os fundos do sistema de seguridade social. Em segundo lugar, a forte queda do preço do petróleo – a principal riqueza do país – somada à escassez de investimentos e de crédito internacional, vem produzindo déficits crescentes na balança de pagamento.

“Em economia as coisas são muito fáceis de introduzir e quase impossíveis de retirar. A desdolarização poderia produzir um cataclismo econômico e social, de modo que estamos tomando medidas para consolidar (aos poucos) a desdolarização. Por enquanto o sistema está mantido”, decretou Correa. Passando das palavras à ação, o governo criou um dinheiro eletrônico, manejado com exclusividade pelo Banco Central, vendendo créditos virtuais facilitados que permitem às pessoas fazer pagamentos pelo celular (rede de celulares CNT), num esquema que já é praticado em países como o Quênia (sistema M-Pesa), Paraguai (sistema Giros Tigo) e Tanzânia, nesses casos por meio de operadoras do setor privado. Assim, já não é o dólar a moeda exclusiva o que, somado ao discurso ondulante de Correa, cria cada vez mais desconfianças na população que teme uma desvalorização dos créditos eletrônicos perante o dólar. A nova moeda em tudo lembra o fim da paridade do peso com o dólar na Argentina que resultou no fracasso da convertibilidade em 2001 e o surgimento de moedas alternativas fabricadas pelas províncias, entre as quais os famosos patacones que a cada dia valiam menos.

O perigo é que, para financiar o déficit do gasto público, o governo resolva pagar salários e outras obrigações com o dinheiro eletrônico, aumentando o meio circulante e provocando inflação, o que equivaleria a um sistema bimonetário com evidente prejuízo para a “moeda virtual” nacional. Daí a uma corrida aos bancos em busca de dólares (enquanto existirem e estiverem disponíveis) é um passo, rumo ao abismo. (VGP)

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