Barbárie oficial triunfa e Indonésia fuzila mais oito

abril 25, 2015.

De seu luxuoso gabinete em Jakarta o inexpressivo presidente Jodo Widodo deu a ordem final para a execução de um nacional e oito estrangeiros (no final reduzidos a sete) por um pelotão de fuzilamento composto por doze atiradores que não são de elite, pois errar um disparo contra uma pessoa imobilizada a cinco metros de distância seria uma marca de incompetência inadmissível até mesmo para os bárbaros padrões legais indonésios. Não há um só estudo serio, no país e fora dele, que comprove a redução do tráfico de drogas, da criminalidade ou da mortalidade por esta causa em função de políticas oficiais baseadas na pena capital. A Anistia Internacional, a ONU e governos de todas as partes do mundo alertaram o governo de Jakarta sobre isto, mas as apelações pela vida dos condenados foram negadas sistematicamente seja pelas Cortes seja pelo presidente.

No início da madrugada da 3a. feira 28 de abril de 2015 o espetáculo em volta da prisão de Nusa Kambangan em Cilacap tornou-se impressionante, com as velas acesas, as orações e o choro interminável de parentes e amigos dos australianos Myuran Sukumaran (33 anos) e Andrew Chan (31 anos); do francês Serge Atlaoui (51), pai de quatro filhos; dos nigerianos Sykvester Nwolise (49) e Okwudili Oyatanbe (45); do ganês Martin Anderson (50);  de Zainal Babarudin, o único indonésio da turma e do paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte (42, preso com 2,9 kg de heroína escondidos em pranchas de surfe).

[caption id="attachment_1914" align="alignleft" width="300"]Pela ordem: Sukumaran, Chan, Serge, Gularte, Sylvester Mary Jane e Okwudili aguardam o fuzilamento na Indonésia, Pela ordem: Sukumaran, Chan, Serge, Gularte, Sylvester Mary Jane e Okwudili quando aguardavam o fuzilamento na Indonésia,[/caption]

Desesperadas apelações de última hora, a pressão dos governos e o clamor internacional num processo que ao final se tornou patético e desmoralizante para o governo indonésio serviram apenas para consolidar como nunca antes a frente de luta dos ativistas espalhados pelo mundo todo contra a pena de morte. A família de Rodrigo Gularte tinha nas mãos dois laudos de esquizofrenia, mas as autoridades o submeteram a uma nova bateria de exames psiquiátricos cujos resultados não foram divulgados e optaram pelo fuzilamento.

Cada país deu à defesa de seus nacionais e à pressão sobre Widodo a ênfase que considerou justa e necessária. A França já conseguira, semanas antes, adiar uma das execuções. A Austrália lutou até o último instante, primeiro quando a ministra de Relações Exteriores Julie Bishop propôs pagar todas as despesas de seus dois compatriotas caso fossem perdoados com as penas transformadas em prisão perpetua, mas seu colega Retno Malsudi respondeu que as leis da Indonésia não permitiam esse tipo de procedimento e não estava disposto a inovar; depois acusando a justiça local de corrupta ao mostrar a oferta recebida de suborno para aliviar as sentenças de Sukumaran e Chan. Mais eficiente foi o presidente filipino Benigno Aquino que no final da noite de 27 conseguiu tirar a camareira Mary Jane Veloso (30 anos) do corredor da morte, logo depois que Maria Kristina Sergio - responsável pela colocação da droga na mochila de Veloso - entregou-se à justiça na cidade de Nueva Ecija (região central das Filipinas) junto com seu companheiro Julius Lacanilao. As duas, de famílias pobres, eram amigas e tinham a mesma madrinha, o que facilitou a transformação de Mary Jane em mula involuntária do tráfico (ela desconhecia que a mochila que ganhara tinha dentro os pacotes de heroína e teria como recompensa um emprego numa casa de família). O presidente interrompeu sua viagem à Malásia para uma dura conversa com o ministro Retno Malsudi, obrigando-o a recuar. Não foi o caso do governo brasileiro. A presidente Dilma Rousseff limitou-se a não aceitar as credenciais do novo embaixador de Jakarta no Brasil e delegou o caso ao Itamarati que mesmo de posse dos diagnósticos de esquizofrenia não conseguiu que fossem aceitos embora conste nas leis  indonésias o impedimento de execução de doentes mentais.  Com isso, já são dois os brasileiros fuzilados na ilha de Java. Parece que de ora em diante o Brasil se comprometerá a lutar nos foros internacionais pela extinção da pena de morte, por mais inútil que seja tão tardia e débil iniciativa.

No fundo, ser assassinado por bandidos, por traficantes ou pela polícia como nos morros do Rio de Janeiro, ou por um esquadrão da morte legalizado pelo governo, dá rigorosamente no mesmo. O crime, o tráfico e a população de consumidores de drogas na paradisíaca ilha turística de Bali continuam aumentando. Para os comerciantes e transportadores do pó, enfrentar a por vezes corrupta polícia indonésia faz parte do jogo, uma especie de roleta russa da qual pelo menos nove de cada dez se safam para continuar atuando nesse mercado cujos lucros são imensamente maiores que o de qualquer atividade legal. Outros Gulartes e Marco Archer Moreiras estão por lá com suas pranchas e mochilas, atendendo seus ávidos e endinheirados clientes.

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