O terror e a morte da cultura

março 22, 2015.

[caption id="attachment_1832" align="alignright" width="300"]Museu do Bardo em Tunes Museu do Bardo em Tunes[/caption]

Muito tem se discutido a respeito da morte da cultura literária tradicional em tempos de internet e do esquecimento das lições do passado. Há opiniões para todos os gostos. Enquanto muitos se socorrem das palavras ditas por volta do ano 490 a.C. por Confúcio – Estuda o passado se queres prever o futuro –, outros tentam transformar em “cult” as ideias da jovem ganesa Lailah Akita que em seu livro de autoajuda Think great: be great (Pense grande: seja grande) recomenda: “esqueça o passado; amanhã é outro dia”. Nada, contudo, supera a justificativa expressa pelo militante do Exército Islâmico enquanto, empunhando com vigor uma marreta, no museu de Mosul esmigalhava imagens (vide o vídeo) conservadas intactas por milhares de anos: “O Profeta Maomé ordenou que nos livrássemos de estátuas e relíquias porque elas promovem idolatria. Tornaram-se inúteis para nós, mesmo que tenham custado bilhões de dólares”.

O museu de Mosul já havia sido danificado durante a guerra do Iraque de 2003, mas agora escavadeiras talibãs avançaram em seus arredores arrasando as muralhas de Nínive, a capital do império assírio na Mesopotâmia e a maior cidade do mundo em seu tempo (612 a.C.). Na invasão da biblioteca pública da cidade 8 mil manuscritos históricos foram queimados, numa ofensiva destinada a erradicar a cultura não-muçulmana, no fundo objetivando reescrever a história. É o que David Nersessian da Universidade de Boston chama de “genocídio cultural” ou de limpeza cultural, um fenômeno que não é novo na história. Esteve presente nos impérios grego e romano; na 2ª. Guerra Mundial quando Adolf Hitler e Joseph Stalin esforçaram-se, cada qual a seu modo, em destruir a cultura do outro. Na Bósnia-Herzegovina durante os anos 1990, como conta András Riedelmayer da Universidade de Harvard, tudo se repetiu e milhares de mosteiros, igrejas católicas e ortodoxas, monastérios, museus, bibliotecas foram bombardeados, queimados e em muitos casos tiveram até as ruinas removidas pelo extremismo nacionalista. No Camboja o Khmer Vermelho além de causar 2 milhões de vítimas dizimou de maneira sistemática cidades e escavou sítios antigos em busca de tesouros para vendê-los e assim financiar suas atividades. Em 2001 os talibãs explodiram com dinamite as estátuas budistas no Vale de Bamiyan no Afeganistão.

O ataque desta semana ao Museu Bardo de Tunes por militantes do Estado Islâmico (21 mortos e 38 feridos) é um passo a mais nessa escalada de agressão às raízes culturais, procurando atingir a “alma” da civilização tunisiana. O museu está completando 127 anos de existência e é famoso por suas inigualáveis coleções de mosaicos romanos. O Iraque, berço da humanidade, não tem como proteger uma história que vem da Suméria onde o homem produziu sua primeira obra literária – A Epopeia de Gilgamesh, o rei de Uruk –, mais de dois mil anos antes de Homero e de Cristo.

Sugestões que estão circulando pela internet de que algumas das estátuas e imagens destruídas seriam cópias de gesso dos originais, não são compatíveis com o que se vê nos vídeos. A marreta brandida pelo homem bate (e volta) numa estrutura rígida, pétrea, e ele precisa aplicar mais força, bater de novo e de novo até quebrar o seu alvo.

Como explicar tanta fúria? É ódio à civilização ocidental e aos árabes de outras variantes do Islã; tem motivações econômicas (luta pelos poços de petróleo que, aliás, têm sido atacados também); trata-se de bandos de assassinos sádicos, cangaceiros dos sertões babilônicos; são na verdade os únicos seguidores de Alá?

Grupos terroristas como o que agora atuou na Tunísia e também os integrantes do Exército Islâmico e da Ansar al Sharia, corrente líbia da Al Qaeda, dizem-se salafistas (que na Arábia Saudita confundem-se com os wahabistas), mas esta também é uma explicação incompleta. O salafismo, surgido no Egito já no século XIX, é um ramo do islamismo sunita que exige pureza absoluta e rejeição de qualquer Islã, salvo o dos primórdios. “Somos salafistas. Atuamos do mesmo modo que o Profeta Maomé e seus camaradas. O caminho é reto”. Mas, que Profeta é esse, que ordena a seus súditos o assassinato dos inimigos e de sua cultura?

Tags: [cultura, história, Iraque, Islã, Salafismo]