Uruguai: que país é esse (II)

fevereiro 05, 2015.

** Juan Verdesio[[1]](#ftn1)_**

Em texto recente https://mundoseculoxxi.com.br/?p=1562, começamos uma série de artigos sobre o pequeno país chamado República Oriental del Uruguay e suas singularidades. Uma delas é o gentilíco “oriental” ligado ao nome do país, muito utilizado por argentinos e uruguaios. Porquê? Porque, na colonização espanhola durante o Vice Reinado do Rio da Prata, era o território que ficava ao oriente do rio Uruguai. Durante a gestação da independência no início do século XIX ele chegou a fazer parte de um estado federado dentro dos limites da época do recém extinto Vice Reinado. Era chamado de Províncias Unidas do Rio da Prata (1810-1831) e abrangia toda a Argentina, parte da Bolívia, o norte do Chile e a região das Missões do atual Brasil. Estavam excluídos Buenos Aires, o Chaco e a Patagônia pela rivalidade com Buenos Aires. Tudo liderado pelo herói da independência uruguaia José Gervásio Artigas com o objetivo de tentar impor um sistema de governo federal e acabar com o centralismo e monarquismo portenho.

[caption id="attachment_1680" align="alignright" width="175"]Confederação da Província do Rio da Prata, vice-reinado espanhol, em 1811 Confederação da Província do Rio da Prata, vice-reinado espanhol, em 1811[/caption]

Durante o período que durou esse Estado tentaram-se implantar alguns avanços sociais como a primeira reforma agrária da América Latina (Reglamento agrario de 1815), pelo qual se repartiam terras dos proprietários espanhóis que tinham fugido com o seguinte critério: “Os mais infelizes serão os mais privilegiados”. Dentro desta categoria, o regulamento mencionava os negros, os mestiços e as viúvas pobres com filhos, entre outros. Foi criada a primeira biblioteca pública, o regulamento alfandegário para incentivar a produção nacional, e a primeira tentativa de criação da escola pública. Tudo isto foi abortado pela invasão de Portugal e a anexação da Província Oriental ao Brasil, Portugal e Algarve sob o nome de Província Cisplatina. Sob essa ótica a invasão portuguesa-brasileira sobre as Províncias Unidas foi um retrocesso muito grande que derivou em guerras intermináveis, ai se incluindo a tentativa de separação dos gaúchos da República Farroupilha fortemente inspirada na formação das Províncias Unidas chefiada por Artigas.

Nesta origem convulsionada e no fato de que a escravatura foi abolida em 1837 é que podemos começar a entender de onde vêm as raízes do movimento reformista e de avanços sociais do início do século XX descritos no primeiro artigo.

[caption id="attachment_1682" align="alignleft" width="300"]Burj al Arab em Dubai, obra do arquiteto uruguaio Carlos Ott com Tom Wright Burj al Arab em Dubai, obra do arquiteto uruguaio Carlos Ott com Tom Wright[/caption]

A ideologia batllista, de inspiração social-democrática, veio dominar boa parte do século XX no Uruguai. Conseguiu criar um Estado com uma legislação laboral muito avançada, uma vida social humanista mas também trouxe um forte intervencionismo do Estado y um crescimento desmesurado do aparelho estatal. Bem antes da Petrobras, em 1931, foi criada a ANCAP (Administração Nacional de Álcool, Combustíveis e Cimento Portland). Fato inédito que uma empresa estatal petrolífera também produza cimento e bebidas alcoólicas. Ainda hoje dai saem excelentes conhaques, uísques, grapas, runs e aguardentes de cana.

Na segunda metade do século XX um grande escritor, Mario Benedetti, chegou a afirmar, em 1951, que o Uruguai era uma grande repartição pública e que seus habitantes tinham mentalidade de funcionários públicos medíocres, com a crença ilusória de serem pessoas melhores do que realmente eram. Em 1975 escreveu que os uruguaios eram carentes de grandes paixões, necessárias para impulsionar um esforço coletivo que conseguisse mudar o destino do país.

Essa mentalidade dura até hoje, com a novidade de que as novas gerações são mais criativas e inovadoras sobretudo depois que parou a saída para Europa, Austrália, Estados Unidos e Canadá de grandes contingentes de jovens. Foram cerca de 500.000 entre 1963 e 2004. É como se tivessem saído do Brasil 32 milhões de brasileiros!! Imaginem o desastre social e econômico que seria isso (https://www.fcs.edu.uy/archivos/70%20Una%20estimaci%C3%B3n%20de%20la%20emigraci%C3%B3n%20internacional%20uruguaya%20entre%201963%20y%202004.pdf).

A pesar do conservadorismo local e uma forte gerontocracia, jovens inovadores estão conseguindo romper barreiras institucionais e sociais e se destacando em diversas áreas. Na produção de alimentos de alto valor: azeites, caviar, cítricos in natura, vinhos premium por exemplo. Mas também em software. Hoje é o maior país exportador per capita e o terceiro em números absolutos na América latina. Tem até um criador de animações que fez um vídeo caseiro de US$ 300 de custo que virou viral na internet https://www.youtube.com/watch?v=nvr5j5DdgA8. Foi contratado pela Warner para dirigir o filme A morte do demônio que gerou receita 10 vezes maior do que o custo. O primeiro Oscar de música latino-americana foi dado a Jorge Drexler pela música do final de Diários de uma Motocicleta de Walter Salles. Além de excelentes arquitetos com estúdios internacionalizados como Carlos Ott com o Hotel vela de Dubai.

Resumindo: o batllismo e o neobatllismo conseguiram moldar um país único na América Latina. Com suas luzes e suas sombras. Os governos recentes de inspiração populista de esquerda não fizeram mais do que acentuar as sombras embora o país esteja ilusoriamente com uma melhor renda per capita do que em governos anteriores.

A parte escura da “força” do Uruguai:

  • um Estado onipresente e avassalador que tira oportunidades à iniciativa privada,
  • carga tributária elevada (nem tanto como no Brasil),
  • conservadorismo e letargia de grandes camadas populacionais amarradas em cargos públicos mal pagos; a proporção de funcionários por habitante é de 9 %, no Brasil é 5%,
  • Muita pessoas têm mais de um emprego o que gera menor produtividade em cada um deles
  • programas de transferência de renda aos mais pobres que criaram uma carga social permanente e não transitória, como deveria ser; as vezes alguns desses beneficiados com programas sociais consegue mais renda do que trabalhadores legalizados devido à acumulação de benefícios diversos,
  • uma enorme massa de aposentados prematuros devido ao envelhecimento demográfico e uma legislação muito ”bondosa”,
  • baixíssima natalidade e pouca migração do exterior,
  • conflitos permanentes de ordem econômica com a Argentina afastando cada vez mais o Uruguai do MERCOSUL
  • um Estado onipresente e avassalador que tira oportunidades à iniciativa privada,
  • cargas impositivas elevadas (nem tanto como no Brasil),
  • conservadorismo e letargia de grandes camadas populacionais amarradas em cargos públicos mal pagos; a proporção de funcionários por habitante é de 9 %, no Brasil é 5%.

Caso aconteça uma nova crise econômica a saída de jovens para o estrangeiro, e não só de jogadores de futebol geniais, será impossível de ser contida.

Em outra contribuição vamos analisar um pouco dos futuros possíveis para este país tão instigante.

[1] Professor aposentado da UnB. Doutor em Economia Aplicada à Energia

Tags: [América Latina, Brasil, Uruguai]