A maior represa do mundo

novembro 26, 2014.

No Himalaia, a 4 mil metros de altura em pleno platô tibetano - considerado o 3º polo -, nasce o Brahmaputra (o filho de Brahma, uma das três divindades indianas), rio de 2.900 km que atravessa três países e vai mudando de nome à medida em que serpenteia montanha abaixo até alcançar o Golfo de Bengala. É Yarlung Tsangpo na China, Dihang no estado de Assam, Jamuna em Bangladesh até se juntar ao Ganges para então ser o Padma que se lança ao Oceano Índico. Tido como rio sagrado no qual os indianos lavam os doentes e os mortos pelo poder purificador atribuído às suas águas, na margem direita, em Agra, está o Taj Majal. Nos dias de hoje em que até as religiões mais tradicionais perdem valor, pressionados pelas exigências de obtenção de energia a partir de fontes renováveis, a China e a Índia encontram-se em furiosa competição construindo gigantescas hidrelétricas em um ritmo sem precedentes na história da humanidade. Cada país tem mais de cem represas em construção ou projetadas para produzirem a fábula de 97 gigawatts (GW) de potência. Li Ling em seu livro Tibet’s waters will save China (As águas do Tibet salvarão a China) de 2003 antecipou a corrida que agora é desenfreada. Em Lhasa, a capital, a população aguarda ansiosa pelo cumprimento da promessa de que, agora sim, acabarão os cortes de energia em suas casas. Aproveitando-se da falha geológica criada pela placa eurasiana o Yarlung Tsangpo força passagem pelo Himalaia até o encontro entre os picos Gyala Peri (7294 m) e Namcha Barwa (7600 m) de onde despenca para formar a mais profunda garganta do globo no ponto conhecido como a Grande Curva, onde esta semana começou a funcionar a maior hidrelétrica do mundo com capacidade prevista de 40 GW, superando largamente gigantes como a Hoover do rio Colorado, principal complexo americano no setor ou Três Gargantas no rio Yangtzé. Outros 20 gigas virão de diversas represas menores construídas em cascata rio acima e rio abaixo. Essas obras em cascata são um risco adicional, pois se uma desabar as demais sofrerão as consequências como se fossem peças de dominó. Não há informação sobre avaliações realmente sérias dos impactos ambientais e populacionais de obras de tal porte numa região que geologicamente, na montanha, é das mais instáveis e, do estado limítrofe de Arunachal Pradesh ao golfo bengali, das mais densamente habitadas no planeta. Os mais impressionantes terremotos de que se tem notícia aconteceram no Himalaia. Quatro deles, de 1897 a 1950, alcançaram entre 7,8 e 8,9 na escala Richter (o equivalente a uma explosão de 8 milhões de toneladas de dinamite), sendo o primeiro e o último em torno da Grande Curva. Tais episódios não são isolados nem excepcionais na região e o de 1950 bloqueou vários tributários do Yarlung Tsangpo, com ondas devastadoras que podem chegar a sete metros de altura como no caso da represa de Subansiri que rompeu após oito dias de acúmulo crescente de suas águas, submergindo as cidades em volta. Terremotos dessa magnitude seriam, provavelmente, devastadores para qualquer das represas construídas ou em construção pelos dois países, afetando milhões de pessoas principalmente nas terras baixas na Índia e em Bangladesh, mas também no Tibet. Uma represa pode, por si só, originar problemas pela pressão que gera sobre as formações rochosas limítrofes. Na construção da represa Zipingpu no rio Min (altura equivalente a 50 andares), sismólogos chineses advertiram sobre a existência de uma falha geológica a 2 quilômetros de distância. Foram ignorados e poucos anos depois, em maio de 2008, devido ao acúmulo de pequenos movimentos tectônicos, um sismo de 7,8 graus matou 80 mil pessoas. Cinco anos depois um sismo de 7 graus ocorreu na mesma falha geológica. Segundo o prof. Charlton Lewis da Universidade de New York em seu site “environment 360”, Xiloudu, uma das 15 represas projetadas para o rio Yangtzé, terá uma altura de 280 metros e ao longo do seu afluente Yalong haverá uma cascata de 21 represas de grande porte. O professor diz que são essencialmente falsas as afirmativas do governo chinês de que esse tipo de investimento é seguro, evita poluição, redireciona a mudança climática futura, controla inundações e secas, melhorando a vida das pessoas. Ao contrário, impedem o curso regular de água dos rios, multiplicam as chances de terremotos, destroem meios naturais de grande valor e destroçam a vida de milhões de indivíduos. Os protestos dos ambientalistas terminaram depois da aprovação por Pequim do XII Plano Quinquenal (2011-2015). Ainda assim, o Brahmaputra é considerado um imenso laboratório de estudo do impacto das mudanças climáticas, seja pelo que ocorre na foz onde a elevação do nível de água pode desalojar milhares de comunidades nas próximas décadas, seja pela dificuldade em controlar o que acontece rio acima, onde a erosão é uma preocupação constante em função da crescente instabilidade do Himalaia por agressões humanas. Enquanto os súditos do império chinês não têm voz, nas cidades sagradas e nos monastérios ao longo do Jamuna, as preces dos adoradores de Brahma, Vishnu e Shiva cada vez mais caem em ouvidos surdos.

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