Médicos cubanos e o SUS

fevereiro 12, 2014.

Este texto, escrito em 26 de junho de 2013, no auge dos movimentos que tomaram as ruas brasileiras, analisa a questão da busca de profissionais estrangeiros à luz da situação prevalente no país em relação à oferta de médicos, discutindo a reação do governo e os problemas do SUS.

     A importação de 6 mil médicos cubanos (e, talvez, de alguns portugueses e espanhóis), garantida sob contrato entre os governos, é a mais nova e milagrosa solução para os problemas em que se debate o Sistema Único de Saúde, o SUS brasileiro. As entidades médicas ameaçam com greves de protesto e com a não autorização de exercício aos profissionais que não se submeterem a exames de validação do diploma, conhecidos como Revalida. De maneira geral, a medida é considerada como mais um desvio do foco principal, adiando ao invés de corrigir as falhas estruturais do SUS.

     O Brasil possui 380 mil médicos e 200,7 milhões de habitantes, ou seja, um profissional para cada 528 pessoas (Cuba tem 75 mil médicos - 1 para 154 pessoas -, formados em 26 escolas), o que nos coloca na 66ª posição num ranking internacional de 159 países conforme os dados mais recentes do Banco Mundial e da OMS. Se não é uma qualificação honrosa, também não se trata de um vexame, pois estamos praticamente no mesmo patamar de países com bons sistemas de saúde como Canadá e Japão. Ou seja, deste restrito ponto de vista a situação é satisfatória para um país em desenvolvimento, embora seus resultados não o sejam, pois não há médicos disponíveis nas menores cidades e nas periferias dos grandes centros. E será que é mesmo necessário trazer profissionais de fora? Afinal, numa prova evidente de interesse, a cada ano 400 mil candidatos disputam as 17 mil vagas oferecidas por nossas 185 escolas de medicina (59% em estabelecimentos privados).

     Os serviços públicos de saúde do país registram inegáveis sucessos. Para citar apenas alguns deles, basta lembrar a forte redução da mortalidade infantil, a vacinação de quase 100% da população-alvo, a erradicação da poliomielite, a redução da mortalidade provocada por doenças transmissíveis, o cada vez menor consumo de cigarros, as 100 milhões de pessoas cobertas pela estratégia de saúde da família.

    O SUS, no entanto, revela um conjunto de mazelas que parece se agravar continuamente, debilitando-o cada vez mais no conceito dos brasileiros. Dentre muitos, cinco fatores são particularmente sérios: a) a descentralização, com ativa municipalização - mas com os recursos financeiros em sua maior parte fechados no Ministério da Saúde que tem a varinha de condão para distribuí-los -, não está funcionando; b) intensa politização do Sistema, criado numa época em que predominavam as teorias do estado mínimo típicas do neoliberalismo e, nos últimos dez anos, esquecido por administrações que lhe negaram apoio; c) evidente má vontade da área econômica, na qual se consolidou o jargão de que “nesse setor (saúde) com tanta ineficiência e desvios não se justifica alocar mais recursos, pois se trata de um saco sem fundo”; d) incapacidade ou falta de vontade do setor público para regular o setor privado, deixando-o desde a Constituição de 88, livre para crescer e ao final impor sua lógica, produzindo o que é hoje uma concorrência desigual com os Planos de Saúde e com a clínica privada, mais acessíveis a quem conseguiu algum sucesso na vida; e) precarização geral dos empregos (terceirização, contratos de curto prazo e sem direitos trabalhistas), num processo de desconstrução pela base do setor.

     A reação tardia do governo, que agora tenta dar alguma resposta aos clamores das ruas por serviços suficientes e de melhor qualidade, vem logo depois de uma aparente desistência do atual governo federal de apoiar o SUS, condenando-o ao ostracismo com iniciativas anunciadas nas últimas semanas como o apoio fiscal às empresas que vendem Planos de Saúde para que ofertem pacotes mais baratos às classes emergentes e entrega das periferias das grandes cidades, a começar pela capital de São Paulo, para a iniciativa privada, financiando-lhe hospitais e unidades básicas de saúde. Estas idéias não foram apresentadas por receio de sua evidente repercussão negativa, mas estão prontas para surgir tão logo baixe a poeira dos movimentos populares.

     Não basta à classe médica opor-se à importação em massa de médicos estrangeiros por meio de argumentos formais como a obrigatoriedade do Revalida que tem se revelado um processo moroso que aprova cerca de dez de cada cem inscritos. É essencial que diga como, enfim, o SUS pode funcionar de maneira satisfatória, impedindo que o subsetor de “saúde suplementar” (Planos de Saúde) amplie seu domínio para desespero dos que não podem remunerá-lo. Os especialistas da área insistem em que existem caminhos que podem ser trilhados já, a começar pelo financiamento adequado, fortalecimento da rede pública, profissionalização da gestão das unidades prestadoras de serviços e instituição de uma carreira de saúde pública.

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