Socialismo Bolivariano

janeiro 30, 2014.

Poucos poderiam imaginar que fosse possível alguém pior que Hugo Chávez na presidência da Venezuela. Não esperavam que o coronel travestido em “supremo comandante” se fosse tão cedo, aos 57 anos em março de 2012, e que um ex-motorista de ônibus, Nicolás Maduro o substituísse, dedicando-se a endeusá-lo ao ponto de afirmar que recentemente o vira na forma de um passarinho.

Frente a denúncias de que livros e cartilhas escolares eram pura propaganda bolivariana, a Ministra da Educação, Maryann Hanson, candidamente explicou que Chávez revisava os conteúdos, corrigia dados históricos e, portanto, é o autor das publicações (embora, ao que se saiba, nunca tenha escrito uma só linha), sendo justo dar-lhe os créditos. Já o médico Rafael Ríos, titular do Vice-Ministério da Suprema Felicidade Social do Povo Venezuelano criado em outubro último discorda dos muitos que dizem ser o país o “hazme reir del mundo” (faz-me rir, motivo de chacota). A população, contudo, já não vê motivos sequer para sorrir com o desabastecimento geral – índice de escassez de produtos médio superior a 20%, chega a 80% no caso dos ovos – que fez desaparecer das prateleiras arroz, farinha, manteiga, sabonete, creme dental, papel higiênico, afora as crises no abastecimento de energia que já levaram a dois grandes racionamentos. O Bolívar, que sofreu uma primeira desvalorização, no período chavista, em 2003 quando foi a 1,92 por dólar, após perder três zeros em 2008, este ano recuou para uma cotação de 6,3 frente à moeda norte-americana que vale pelo menos nove vezes mais no ativo mercado paralelo. A inflação deste ano é de 54%, a mais alta de toda América Latina e o Banco Central, após outra descaracterização em sua reduzida autonomia, viu-se forçado a fazer novas emissões, lastreadas nas rendas da PDVSA, a estatal do petróleo, para sustentar importações de 400 mil toneladas de alimentos dos países vizinhos (20% do Brasil). O petróleo, responsável por 90% das divisas que ingressam no Banco Central, em 2008 alcançou o preço de US$ 130 pelo barril, mas desde o ano seguinte estabilizou-se em torno de US$ 80, ainda assim fazendo a riqueza da Venezuela.

O povo parece estar mudando de opinião. Não mais culpa “o governo” pela crise, e sim a Maduro por considerá-lo incapaz. Com a proximidade das eleições municipais de 8 de dezembro próximo em que as intenções de voto estão equilibradas entre situação e oposição, o presidente reage aprofundando o que se convencionou denominar de “socialismo bolivariano” ou, de acordo com o ideólogo do regime Haiman El Troudi, atual ministro dos Transportes, um “modelo socialista de produção com apropriação coletiva de lucros, bens, serviços, que funcionarão integrados a uma cadeia de valor controlada pelo Estado.” No ano passado Chávez fez explodir os gastos sociais e a ajuda a países amigos, provocando um déficit fiscal de 15%, mas a verdadeira culpada, segundo o regime de Maduro, é a “burguesia parasitária que especula e nega ao povo o direito de ser feliz roubando-lhe a possibilidade de ter não o que necessita e sim aquilo com que sonha.” Este é um paradoxo da crise venezuelana. De acordo com Maduro e com o general Herbert García Plaza, diretor do Órgão Superior para a Economia, “temos que garantir que todo o povo tenha uma TV de plasma e uma geladeira de última geração.” Isso, no entanto, na prática é impossível. A Missão Minha Casa Bem Equipada nos últimos três anos vem trazendo grandes volumes de produtos da linha branca da China que não conseguiram a confiança dos consumidores, os quais não encontram as marcas mais reconhecidas e desconfiam da qualidade e das garantias do que lhe oferecem.Para combater a escassez, o governo ordenou ao Exército e à Guarda Nacional Bolivariana que invadisse grandes lojas de eletrodomésticos (rede Daka, a maior de todas), autopeças, roupas, calçados e até de brinquedos e concessionárias de carros, forçando-as sob ameaça das armas a vender seus produtos a preços muito rebaixados. Além das enormes filas (as maiores ainda são as dos supermercados), começaram os saques, mas rapidamente bens como celulares, TVs, máquinas de lavar, aparelhos de ar condicionado, play stations sumiram das gôndolas. Acelera-se a política de expropriações e estatizações iniciadas seis anos atrás, difundindo-se a noção do “consumo necessário” (gastar só no essencial) com base na celebre frase de Chávez de que “ser rico é ruim”. Justificando os ataques militares às lojas comerciais, Maduro fala em admitir margens de lucro entre 15% e 30% para a iniciativa privada que ameaça fechar as portas provocando demissões em massa que não poderiam ser absorvidas pelos serviços públicos, pois estes já estão superlotados (em 2014 o estoque de empregos públicos será congelado). A Lei Habilitante agora aprovada permite a Maduro governar durante um ano sem o Congresso, mas, por ter consumido grande parte das reservas internacionais, terá de cobrir um enorme déficit fiscal, provavelmente socorrendo-se do megaempréstimo em negociação com a instituição financeira Goldman Sachs. O líder oposicionista Henrique Capriles, que luta para não perder sua terceira eleição no curto período de dois anos, diz que Maduro está destruindo o país. Pobre Venezuela.Vitor Gomes Pinto Escritor. Analista internacional

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